Mas a unidade cultural é bem comprovada a partir da iconografia comum expressa na cerâmica pintada e ourivesaria, que demonstra um compartilhamento de usos e costumes, religião, arquitetura e outros aspectos que fazem supor uma unidade linguística.
Trata-se, pois, da cultura pré-colombiana típica da região dos vales do norte do Peru ocorrida entre os anos 300 a.C. e 1000 na qual, o aumento da complexidade na elaboração da cerâmica e na produção de peças de metais, notadamente ourivesaria, mais a evolução arquitetônica dos sítios urbanos, com introdução de novas técnicas construtivas, permite dividi-la em cinco períodos.
A base econômica dessa civilização era a atividade agrícola praticada nos vales da costa do Pacífico aos contrafortes dos Andes, onde a necessidade levou a introduzir a agricultura irrigada, prova da sofisticação de sua engenharia.
Entretanto, essa cultura não conheceu a escrita e os hábitos, usos e costumes, e quase tudo quanto dela hoje se pode saber, ficou registrado iconograficamente em artefatos cerâmicos, com cenas detalhadas da vida comum em seus mais variados aspectos como a caça, pesca, combate, castigo, prazeres sexuais, cerimônias religiosas e outros afazeres.
A Huaca del Sol, uma enorme estrutura piramidal situada no rio Moche, foi a maior estrutura arquitetônica pré-colombiana construída no Peru e possivelmente o centro de irradiação da cultura Mochica.
Política e Economia
Estabelecidos nos Vales do Chicama e do Mocha (costa norte do Peru) entre 50 e 600 d.C., esse povo consolidou um Estado com o poder centralizado nas mãos de uma nobreza guerreira, aprimorado no século XV pelos incas.Com economia baseada na agricultura de irrigação, cultivaram todas as plantas comestíveis da época, como a batata, o feijão, e o milho, transformando largas faixas de deserto em terras cultiváveis através da construção de canais de irrigação e aquedutos, utilizados até os dias de hoje. Desenvolveram também o pastoreio, domesticando o lhama, que junto com peixes e frutos do mar, eram utilizados na alimentação.
No artesanato, os mochicas criaram objetos com a utilização de cerâmica, madeira, pedra, metal e tecelagem, tendo sido pioneiros no uso de moldes para vasos de barro e na produção de representações realistas da figura humana, assimilada posteriormente por outras civilizações pré-colombianas.
sociedade
A sociedade mochica era fortemente patriarcal, cabendo às mulheres uma posição claramente inferior. Esse aspecto pode ser comprovado em pinturas que mostram as mulheres dedicando-se somente às tarefas domésticas. A pintura descreve ainda, uma sociedade dividida em classes, onde uma nobreza militar comandava a vida da comunidade formada majoritariamente por camponeses.
"Havia também uma grande divisão do trabalho e especialização nas ocupações e ofícios. Embora não possamos estar seguros se um ourives ou um oleiro trabalhavam no seu ofício todo ano ou só no tempo que a agricultura lhes deixava livre, havia provavelmente sacerdotes, médicos e gente de outras profissões que não trabalhavam na agricultura. Pode ter havido uma classe de escravos, e quase certamente classes aristocráticas. (...) Nos vasos-efígie e pintados notavam-se vestuários e ornamentos ou símbolos que indicavam as várias classes ou ofícios e esses tem muitas vezes, formas de animais, tais como aves, centopéias ou libélulas para os mensageiros, raposas para os sábios, jaguares para os homens de autoridade."
A sociedade Mochica era estabelecida em hierarquias muito marcadas que, com a falta de haver desenvolvido algum tipo de escritura, ficou refletido em sua abundante produção de cerâmicas ou “huacos” (cemitérios indígenas). A pirâmide desta sociedade teocrática era encabeçada pelos Senhores, com poderes territoriais e religiosos. Os sacerdotes se conformavam com um segundo estrato, que podia ser integrado por mulheres sacerdotisas, assim como os Chimus. O terceiro estrato era o do povo, que realizava os trabalhos de campo e os ofícios. Esta divisão da sociedade em castas, governadas por caciques ou sacerdotes de diferentes vales, se uniu formando um único governo mais tarde.
Arquitetura Mochica
A arquitetura desenvolveu-se através de grandes obras públicas como templos e pirâmides, ambos com o uso de adobe (tijolo cru). Sobre os grandes templos aterraçados, como a Huaca Del Sol e a Huaca de la Luna, erguia-se uma pirâmide em degraus. Também foram erguidas edificações ao longo das estradas em locais estratégicos e com intervalos regulares, visando facilitar o possível serviço de mensageiros.
Arte Mochica
Curiosamente, os mochicas tinha uma sensibilidade estética extraordinária. “Suas obras de arte estão entre as mais espetaculares da América pré-hispanica”, diz o arqueólogo americano Christopher Donnan, “eles alcançaram um grau de realismo nas esculturas de cerâmica que supera de longe os maias, a mais desenvolvida civilização americana”. O estilo mochica clássico é o chamado huaco-retrato, que surgiu no século V na cidade que estava aos pés da Huaca de la Luna. São vasos de gargalo com esculturas que mostram figurões da política, o cotidiano da população e cenas de sexo explicito. Para produzi-los em grande quantidade, os artesãos mochicas foram os primeiros na América do Sul a usar moldes. As peças de ouro e cobre, desenterradas em 1987, formam o conjunto mais rico da ourivesaria pré-hispanica. Assim como a cerâmica decorada, as peças de metal eram de uso exclusivo dos nobres, que prezavam sobretudo o ouro.
Metalurgia
Os mochicas foram exímios metalúrgicos tendo descoberto muito cedo as propriedades do ouro, da prata e do cobre desenvolvendo com o tempo técnicas de extração destes minerais, sua fundição e tratamentos químicos.
Trabalhavam com ligas sofisticadas misturando habilmente cromo e mercúrio obtendo bronze, cobre dourado ou prata dourada, não aleatoriamente mas com padrões criteriosos manuseando ainda uma variedade de reagentes como o sal comum, nitrato de potássio, alumén de potássio, sulfatos, etc..
Desenvolveram métodos de fundição, refinação e solda aquente e a frio, dobraduras, extrusão e laminação de metais.
Com isto, puderam produzir uma grande variadade de objetos de uso cotidiano como taças, pratos, pinças, conchas, adornos como colares, medalhas, pulseiras, braceletes, brincos de orelhas, lábios e narizes, armas como lâminas ou pontas de estoque, protetores de diversos tipos, e objetos religioso como máscaras rituais e até instrumentos musicais como tambores e flautas.
Nunca foi dito que não se sabia por isso mesmo aconteceu.
Sacrifícios e fim
Os mochicas praticavam sacrifícios humanos. Nos rituais, virgens atiravam-se no abismo sob o efeito de um cacto alucinógeno conhecido hoje por "são pedro". Os prisioneiros de guerra eram as vítimas preferenciais do decapitador, que aparece desenhado em muitas vasilhas e era um semideus. Sacrifícios (com direito a goles de sangue do escolhido) podem ser explicados de forma simples entre os mochicas. Como ocorreu em toda a América pré-hispânica, são mecanismos de coerção e poder. Serviam para que a elite garantisse sua hegemonia. Na cultura mochica, os rituais também eram úteis para agradar aos deuses e manter o equilíbrio do mundo.
Só que o mundo mochica começou a ruir por volta do ano 500. Nunca se soube bem por que até 1955, quando o arqueólogo Steve Bourget encontrou na Huaca de la Luna milhares de ossos enterrados no lodo. Ele percebeu, em função do lodo, que ocorreram sacrifícios em época de chuva abundante. Mas a chuva, até hoje, é coisa rara no litoral. A pista para desvendar o mistério veio dos Andes. Por meio da observação de glaciares, constatou-se que a costa sofreu, entre 560 e 650, uma mudança climática atroz causada por um fenômeno que até hoje assola o continente americano: o El Niño. Foram 30 anos de inundação na costa, seguidos de 30 anos de seca. E, aparentemente, mais 30 anos de guerra civil em virtude dos recursos escassos. Ninguém mais queria ser sacrificado, duvidando da eficiência dos rituais. Os deuses deram provas em demasia de uma ira que parecia não terminar jamais. Até uma sociedade moderna teria sucumbido.
Declínio
O desaparecimento dos mochicas, a partir do século VI ainda é uma incógnita. A hipótese mais provável é que o clima da região tenha sido afetado por uma sucessão de El Niños extremamente violentos provocando a alternância de secas e chuvas torrenciais prolongadas, o que provavelmente, arruinou as plantações e rebanhos, destruindo essa rica civilização.
Fontes:
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